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EM ARTIGO, HISTORIADOR CONTA NOVA VERSÃO DA VIDA DE LEOCÁDIA

Cultura

Segunda-Feira, 17 de Maio de 2021



É bastante conhecido na região de Guanambi o crime, ocorrido há mais de 120 anos, que vitimou a jovem Leocádia, assassinada a mando de uma mulher chamada Raquel. Leocádia era uma adolescente pobre, admitida para trabalhar na obra de uma barragem destinada a combater a seca na região do Arraial do Beija-Flor (atual Guanambi) e teria sido presenteada pelo fazendeiro José Pedro Guimarães com uma peça de tecido para fazer um vestido, o que despertara o ciúme da sua esposa Raquel. Tal ciúme fora tão doentio que ela determinou a dois empregados que a matassem, trazendo-lhe como prova da morte um seio da vítima. O caso já foi transformado em filme, romance e muito já se escreveu sobre o crime.




Entretanto, um artigo publicado na revista científica Saeculum, especializada em História, trouxe novas evidências sobre o homicídio e corrige alguns erros com que o crime tem sido relatado. O artigo tem o nome de “Leocádia e suas mortes” e seu autor é o médico guanambiense Fernando Donato Vasconcelos, radicado em Salvador, atualmente realizando estágio de pós-doutorado na área de História da Universidade do Porto, em Portugal. Ele revisou jornais da época, assim como registros civis e paroquiais da região e de São Paulo.




A primeira controvérsia apontada é sobre a data de ocorrência do crime. Dizia o escritor Domingos Teixeira, que o crime ocorreu em 1905 ou 1908. A inscrição no túmulo de Leocádia informa que sua morte aconteceu em 23 de fevereiro de 1880, o que contradiz relatos de que já findara a escravidão. Para o escritor Elísio Guimarães, autor do romance “Leocádia”, o crime desenrolou-se “na manhã do dia vinte e três de fevereiro de 1890”. O artigo de Vasconcelos comprova, a partir dos jornais da época e de documentos de cartório, que o crime deve ter ocorrido, provavelmente, em 1890.




Vários jornais de 1891 e 1892, entre eles o Jornal do Brasil e o Diário de Notícias, afirmam que a mandante teria participado do homicídio e há relatos ainda mais bárbaros sobre a mutilação do corpo de Leocádia.




O artigo esclarece também um equívoco divulgado ao longo dos anos de que o marido de Raquel seria irmão de Joaquim Dias Guimarães, um dos pioneiros do Arraial. José Pedro, embora parente, não era irmão de Joaquim, uma vez que era filho de Antônio Dias Guimarães, enquanto Joaquim seria filho de um português chamado José. O artigo ainda desvenda outro segredo ocultado desde sempre - a chamada Dona Raquel, referida na imprensa como “mulher sem coração”, “feroz mulher”, “ciumenta”, “assassina” etc., teve seu sobrenome conhecido por consultas em registros cartoriais da época. Ela era de uma família de prestígio político na Vila de Caetité e no Distrito de Gentio, atual Ceraíma – seu nome era Raquel Gomes de Azevedo, da família do Capitão Domingos Gomes de Azevedo, de tradição política na região e seu pai, Bireno, foi Inspetor paroquial de ensino no Gentio.




O autor do artigo também contesta a versão de que o casal teria passado por dificuldades em São Paulo, para onde foram após o crime. Poucos anos após chegar em Pitangueiras – SP, José Pedro Guimarães passou a integrar a Câmara Municipal e foi seu presidente entre 1899 e 1901. Em 1902, sua patente na Guarda Nacional, que no Arraial era de Capitão, embora chamado de Coronel, elevou-se bastante e passou a ostentar o título de Tenente-Coronel Comandante do 6º Regimento de Cavalaria da cidade de Bebedouro - SP. Seu capital foi suficiente para adquirir grandes extensões de terra, gado, cafezal e uma serraria. Ao falecer em Bebedouro, em 28 de dezembro de 1911, uma nota com sua foto foi publicada com a legenda que deixara muitos amigos na cidade.

Sobre Raquel, em São Paulo conhecida como Raquel Gomes Guimarães, é dito em Guanambi, como se fosse uma “vingança divina” por seus crimes, que padeceu uma vida terrível ao sofrer de lepra (hanseníase), doença que, à época, inplicava no afastamento do paciente do convívio social. No entanto, há vários registros de casamento em que participou e em 1921 exercia uma função de prestígio na Santa Casa de Bebedouro. Fernando Vasconcelos questiona também a afirmação de que Leocádia seria prostituta. Para ele, tal afirmação pode ser sido apenas uma tentativa de desqualificação da vítima. Não se sabe se Leocádia era branca, morena ou negra, mas era pobre e estava em meio aos deserdados daquela sociedade. Foi vítima de feminicídio em uma sociedade que herdou práticas do período escravocrata, cuja legalidade fora encerrada pouco anos antes.




O artigo na íntegra está disponível para leitura em:




 


Texto e fotos: BLOG DO LATINHA


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