Para iniciar gostaria de citar a célebre frase do filósofo e teólogo dinamarquês Søren Kierkegaard: “A vida tem de ser vivida para frente, mas só pode ser entendida para trás”. Portanto, temos que olhar para o livro do Gênesis, para as divisões dos Toledot (gerações), como está escrito em Gênesis: “E estas são as gerações de Terá: Terá gerou a Abrão”, se quisermos, realmente, compreender a origem do povo judeu, temos que nos voltar para a Bíblia.
Biblicamente falando esse é o povo da aliança Abraâmica conforme Gênesis 13.1 “ORA, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. 2. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. 3. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Uma aliança estabelecida pelo próprio Deus.
Precisamos definir o termo aliança: o conceito de aliança envolvendo Deus e a comunidade de Israel repousa sobre a definição da palavra Berit, dada pela Torah, que seria uma aliança contratual: rei e vassalo; conforme encontrado nos tratados hititas de suserania (de 1400 a 1100 a.C.); sendo Deus o rei – soberano e Israel o vassalo – servo, para servi-lo (eved) e adorá-lo, (laavod).
Quando nos voltamos para o uso especificamente religioso da palavra berit, no Tanakh (AT), percebemos o seu propósito para descrever o relacionamento de Deus com indivíduos como Abraão e Davi e para com a comunidade de Israel.
R. Hiller argumentou que “Israel tomou um tratado de suserania como modelo para o tratado de Deus com ele”. Somente este vínculo de tratado de aliança podia manter unidas as tribos israelitas antes do advento da monarquia.
E não esqueça que essa aliança foi selada com sangue (Gn.15); e a sua marca indelével na carne foi o pacto da circuncisão (Gn.17).
Voltando para Gênesis 12:1-3 encontramos o chamado do patriarca Abrão e as cinco promessas divinas que vão dar o tom do relacionamento de Deus com Abraão e seus descendentes. O Chamado: Deus mesmo se revelou diretamente ao patriarca Abrão. As promessas:
Não foi escolhido por ser numeroso ou forte conforme Deuteronômio 7:7 “O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos”, mas por amor:
– “Mas, porque o Senhor vos amava,” Deuteronômio 7:8a;
– “Há muito que o Senhor me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno te
amei, por isso com benignidade te atraí.” Jeremias 31:3;
por causa da aliança com os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó:
– “e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito. 9. Saberás, pois, que o Senhor teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos” Deuteronômio 7:8b,9.
Outra pergunta que surge para respondermos é: para quê Deus criou Israel?
No profeta Isaías encontramos a resposta. Em primeiro lugar o profeta nos diz que foi o Senhor mesmo quem criou Israel: “Mas agora, assim diz o Senhor que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (Isaías 43:1); ainda no versículo 15 do mesmo capítulo lemos: “Eu sou o Senhor, vosso Santo, o Criador de Israel, vosso Rei”. O verbo criar [hb. bārā’] utilizado por Isaías é o mesmo utilizado em Gênesis para a criação do universo, o criar do nada, da expressão latina creatio ex nihilo, o sujeito deste verbo se aplica somente a Deus e o seu uso exclusivo no Tanakh (AT) quase sempre se refere a uma ação divina que produz um resultado novo e imprevisível (Isaías 48:6-7; Jr 31:22).
Devemos nos lembrar que das quatro matriarcas três eram estéreis: Sara, Rebeca e Raquel, portanto os nascimentos de seus respectivos filhos só aconteceram por intervenção divina.
Deus criou Israel com propósitos divinos claros e definidos:
Não há méritos em Israel, somente graça, soberania e escolha divina.
Voltemos nosso olhar para a expressão povo judeu. Definir um povo com uma tradição absurdamente rica de quatro milênios e de influência sine qua non na civilização ocidental, a partir do oriente médio não é uma tarefa simples. Mas tecnicamente, falando, judeus sãos todos os descendentes de Judá, o quarto filho de Jacó, neto de Isaque e bisneto do patriarca Abraão (Gn.29:35).
Antes de continuar a tarefa de lançar luz sobre esse tema de tal complexidade, cabe destacar os cativeiros envolvendo os dois reinos (Israel e Judá) e o desfecho histórico de cada um deles.
As doze tribos de Israel que saíram do Egito e conquistaram a terra prometida aos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó só se tornaram monarquia no fim do período dos juízes. O primeiro rei de Israel, a pedido do povo, foi Saul oriundo da tribo de Benjamin, o segundo a subir ao trono foi Davi descendente de Judá, escolhido por Deus, sobre o qual foi estabelecido a dinastia dos reis de Israel. A dinastia davídica sobre as doze tribos de Israel durou até Roboão, filho herdeiro do rei Salomão. Foi no reinado de Roboão que o reino de Israel foi dividido – ficando dez tribos ao norte com Jeroboão, sendo denominada Israel e duas tribos ao sul com Roboão (Judá e Benjamin), sendo denominada Judá.
O cativeiro imposto pelo Império Assírio em 722 a.C., levou cativo à Assíria muitos israelitas das dez tribos do reino do norte – denominado Israel. Nesse meio-tempo Sargão II levou para o território de Israel muitos estrangeiros que acabaram casando-se com os israelitas que permaneceram em Samaria, causando assim a mistura que ficou conhecida como os “samaritanos” (2Rs.17:24).
Enquanto, o reino do sul envolvendo as duas tribos – Judá e Benjamin e parte da tribo de Levi, mesmo sofrendo o cativeiro babilônico em 586 a.C., com seu retorno setenta anos depois, mantiveram em grande parte sua identidade judaica preservada. Passando por um processo doloroso de rompimento com os estrangeiros por meio de Esdras, o sacerdote – ordenou que todos os homens judeus, que haviam se casado com mulheres estrangeiras durante o cativeiro se despedissem (divorciassem) delas e dos filhos delas nascidos (Ed.10).
Agora preste atenção, as chamadas “dez tribos perdidas”, resultante do cativeiro assírio são ainda mencionadas nas Sagradas Escrituras com um final profético de restauração como lemos em Ezequiel 37:19: “Tu lhes dirás: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu tomarei a vara de José que esteve na mão de Efraim, e a das tribos de Israel, suas companheiras, e as ajuntarei à vara de Judá, e farei delas uma só vara, e elas se farão uma só na minha mão”, isso acontecerá, como entendo, no reino do Messias (conf. Is.11:11-12; Jr.3:18; Os.1:11).
Já nos dias de Jesus, as designações judeu e israelita se tornaram sinônimos. Em Jerusalém habitavam outros descendentes de Jacó, como constatado na ocasião da apresentação do menino Jesus no templo em que José e Maria se deparam com a idosa e profetisa Ana, que era da tribo de Aser, “e falava dele a todos que esperavam a redenção em Jerusalém” (Lc.2:38b). Sem sombra de dúvidas a reconstrução do templo após o cativeiro babilônico trouxe muitos filhos de outras tribos de Israel para Judá.
O próprio apóstolo Paulo vai se declarar como judeu mesmo sendo descendente da tribo de Benjamin, além de se considerar hebreu, israelita e judeu (Fl.3:5); Paulo em Atos 26:3 na sua brilhante defesa diante do rei Agripa aponta a esperança messiânica as doze tribos de Israel (At.26:1-7). Tiago diz expressamente que sua epístola é direcionada as doze tribos que andam dispersas (Tg.1:1).
No Novo Testamento o apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, nos dá uma bela explicação sobre o povo judeu em Romanos 9. Nos versículos de 1 a 3, temos uma introdução apaixonada do apóstolo dos gentios por seus irmãos na carne, os judeus, ao ponto de desejar ser separado do Messias (anátema/maldito) em favor da salvação do seu povo como também encontramos explicitamente em Romanos 10:1: “Irmãos, o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação”, encontramos essa mesma atitude em Moisés: “Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito” (Êxodo 32:32).
Nos versículos de 4 a 5 encontramos a história passada de Israel: “Que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas; 5. Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo [Messias] segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém”, que se apresenta nas seguintes declarações:
“israelitas” – designação de povo;
“adoção” – condição física e “espiritual”;
“glória” – revelação divina;
“alianças” – posição de vassalo com o suserano;
“lei” – forma de relação e obediência (Sinai);
“culto” – forma de adoração;
“promessas” – bênçãos condicionais e incondicionais;
“pais” – os patriarcas;
“Cristo” – o Messias, Salvador.
Dos versículos de 6 a 33 temos os desdobramentos dessas verdades e suas implicações.
Da destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70 d.C. em diante todos os descendentes das doze tribos de Israel, ou participantes da fé no Deus de Abraão, Isaque e Jacó (religião judaica), passaram a ser designados, pelo império romano, como judeus.
O rabino Morris Kertzer em seu livro: O que é um judeu, vai nos brindar com três definições, embora resumidas, bem assertivas e esclarecedoras: “judeu é todo aquele que aceita a fé judaica. Esta é a definição religiosa. Judeu é aquele que, não tendo afiliação religiosa formal, considera os ensinamentos do judaísmo – sua ética, seus costumes, sua literatura – como propriedade sua. Esta é a definição cultural. Judeu é aquele que se considera judeu ou que assim é considerado pela comunidade. Esta é a definição prática” (KERTZER, p. 15-16). Acrescente-se a isto que judeus não são somente uma raça, religião – mas um povo, sendo a sua pátria “Eretz Israel” (Terra de Israel).
Os rabinos ortodoxos vão dizer que judeu é quem é filho de mãe judia. Mesmo que a Bíblia fale de descendência através do pai. Já para o genocida Adolf Hitler judeu era todo àquele que tinha um avô ou avó judia. Essa classificação, inclusive, foi adotada pelo Estado de Israel para dar o direito ao judeu fazer aliah – direito a todos os judeus de retornar para Eretz Israel, Terra de Israel. Essa foi uma forma bem acertada pelo governo de Israel. E por fim para o jornalista David Tabacof: “judeu é todo àquele que diz que é, pois nesse mundo só quem vai querer ser judeu é quem é doido ou quem é de verdade”.