A psicopedagoga e terapeuta clínica Carolina Salles tem ajudado centenas de famílias a educarem seus filhos e construírem um ambiente familiar saudável e feliz. Diante de tantos desafios que a família enfrenta nos dias atuais, a terapeuta cristã tem atendido crianças, adolescentes e suas famílias em consultório e também online, através de suas REDES SOCIAIS e cursos, como o Programa Família Educadora.
Carolina também atua na área de Educação Cristã e aconselhamento de famílias e jovens em sua igreja, a Assembleia de Deus de Guaíba (RS). É casada com Junior Silva, que é pastor, e mãe do recém-nascido Gabriel.
Em entrevista ao Gospel Prime a psicopedagoga falou sobre educação dos filhos, os desafios e dilemas das relações familiares, e como construir um lar abençoado a fim de viver o propósito original de Deus para a família.
Leia a entrevista na íntegra:
Com a pandemia, muitas famílias tiveram que conciliar home office e a presença dos filhos e suas demandas escolares, relatando bastante dificuldade. Quais dicas você pode dar para as famílias enfrentarem essa rotina com mais tranquilidade?
A verdade é que a pandemia veio revelando déficits que já existiam dentro da família e que acabaram se agravando com as mudanças da rotina durante este tempo. A presença parental contínua e a capacidade de passar mais tempo com os filhos não eram práticas comuns dentro das famílias, que estavam acostumadas com as horas que a criança passava na escola.
A pandemia veio mudando totalmente as rotinas familiares, atingindo diretamente os filhos. Portanto, reorganizar uma nova rotina, naquilo que tem sido chamado de “novo normal” é importantíssimo para um ambiente saudável dentro do lar. Quando falamos de desenvolvimento na infância, algo que é imprescindível é uma rotina estabilizada, que trás segurança para as crianças.
Pesquisas científicas apontam um crescimento expressivo em casos de transtornos psíquicos, como depressão e ansiedade, em crianças e adolescentes. Por que a atual geração está mais suscetível a esses transtornos e como as famílias podem lidar com isto?
Esta é uma pergunta que pode conter inúmeras respostas, mas arrisco aqui sinalizar alguns pontos que observo tanto no consultório, dentro do ambiente terapêutico, quanto na igreja em palestras e grupos de auxílio.
Nossa sociedade está inundada pelo consumo desenfreado, é bombardeada diariamente pelo excesso de informação e pela da busca frenética pela beleza. Tudo isso faz com que adoeça seus filhos enquanto tenta ser “politicamente correta”, abandonando os princípios que fazem uma sociedade ser saudável. O enfraquecimento das figuras de autoridade, sejam eles pais ou professores, também trazem impacto diretamente nas crianças e adolescentes.
Tem sido comum, famílias que procuram compensar de alguma forma os déficits de dentro do lar, permitindo aos filhos um estilo de vida com poucos limites e sem frustrações. Na infância, a ausência paterna ou dificuldade em estabelecer vínculos saudáveis que proporcionem autonomia gradativa para que a criança possa chegar na próxima fase com sua capacidade emocional mais forte. Na adolescência, os problemas mal resolvidos durante a infância “estouram” com muita potência. As fragilidades na inteligência emocional, capacidade de tomar decisões, discernimento entre o bem e o mal, a busca pela aceitação, fazem do adolescente uma “preza” fácil para as doenças mentais.
Para prevenir, as famílias devem investir em estabelecer um vínculo forte dentro do relacionamento familiar. Ter um canal de comunicação aberto, também auxilia neste processo. Os pais devem investir atenção e presença nos dilemas enfrentados pelo filho, servindo de suporte para os desafios enfrentados na infância e adolescência.
Qual a importância da família para o desenvolvimento saudável de uma criança?
Tanto a criança como o adolescente constrói sua personalidade através de referências, observando a maneira como os pais lidam com seus dilemas emocionais. Desta forma, vão adquirindo repertório para lidar com as questões da vida. Ou seja, a família torna-se o local de treinamento para todas as habilidades sociais que precisam ser conquistadas. Quando este treinamento é negativo, deixa sequelas graves que seguem junto com a criança até sua vida adulta. Já, quando a família deixa marcas positivas, tanto no que diz respeito a uma fé sadia e uma vida equilibrada, dá aos filhos uma construção de memórias positivas que servirão como guia, proporcionando segurança durante a vida adulta.
Qual a influência da figura paterna para uma filha e da figura materna para um filho?
Tanto a figura paterna como a materna, tem extrema relevância no desenvolvimento das crianças, sejam elas meninos ou meninas.
Podemos entender que em específico a figura do pai para a menina fará com que ela entenda como um homem deve tratar uma mulher na medida que ele trata sua mãe. Também, por ser o primeiro homem da vida da menina, o pai vai costurando a autoestima da menina e sua necessidade de aceitação. A noção de ser amada, também vai se constituindo dentro desta relação familiar.
A figura materna, para o filho homem, vai ensinar a relação de afetividade com o sexo oposto, sendo uma excelente oportunidade de aprender como se tratar uma mulher. A mãe é símbolo de ternura e carinho, assim auxilia também nas emoções. Na construção da masculinidade, é interessante que o olhar da mãe sobre o pai mostra pro filho o que é ser homem. Se este olhar está cheio de admiração, o filho vai se posicionando dentro desta referência. Já, se o olhar vem carregado de frustrações e queixas, o filho também vai absorvendo os traços conflituosos desta relação.
Enfim, é na junção das figuras paternas e maternas que a criança se constitui de maneira completa; a relação do casal dá ao filho equilíbrio e autonomia para crescer e amadurecer. Filhos que foram amados e valorizados conseguem amar e tendem a se resolver mais facilmente na vida. A família sem dúvidas irá alimentar o desenvolvimento emocional dos filhos, sua visão sobre o mundo e sua autoestima sobre si mesmo.
Ainda existe relutância de algumas pessoas do meio cristão em relação à psicologia, terapia familiar e psicopedagogia. Como psicopedagoga e terapeuta cristã, o que acredita que falta para desmitificarmos essa área do conhecimento no contexto evangélico?
Observo que atualmente, a igreja tem aberto os olhos e compreendido melhor que as questões emocionais causam impacto até mesmo na nossa espiritualidade. No entanto, ainda existe sim essa relutância em buscar ajuda por parte dos cristãos. É comum observarmos um tipo de negação e medo de se expor, como se o ato de buscar ajuda demonstrasse “fraqueza espiritual”. Ou até mesmo a impressão de aqueles que estão sofrendo em sua saúde mental, não estão sendo cristãos verdadeiros. Sendo que é exatamente na nossa humanidade e fragilidade que Deus opera e nos cura. Somos seres emocionais e espirituais, e tenho convicção que o evangelho traz salvação para nossa alma e cura para nossas emoções.
Encontramos na Bíblia registros de personagens que enfrentaram abalos nas suas emoções e foram renovados por Deus. Como por exemplo, Elias que ficou fragilizado emocionalmente depois de vencer uma grande batalha, precisando do suporte direto da intervenção divina para se recuperar. Também vemos em Ana, que apresentava sintomas de depressão e desesperança frente ao futuro, expressou suas dores ao sacerdote no templo.
Seja qual for o motivo ou nível de sintomas emocionais, merece nosso olhar atento, nosso acolhimento espiritual e muitas vezes auxílio profissional. Fico feliz em ver, que nos últimos tempos, há muitos profissionais cristãos da área da saúde mental se levantando com o intuito de servir ao corpo de Cristo.
Dar uma educação cristã numa sociedade pós-moderna parece um grande desafio para as famílias e educadores cristãos. Qual a melhor forma de educar os filhos nos caminhos do Senhor? E, neste contexto, qual a relevância da Escola Bíblica Infantil?
Um fato sobre a educação e a aprendizagem humana é a o poder da imitação e da modelagem. Ou seja, desde que nascemos nosso aprendizado se dá quase que de maneira completa através da imitação, vamos moldando nossa vida observando e imitando comportamentos. Por exemplo, ninguém ensina um bebê a falar, ele simplesmente escuta a linguagem tantas vezes que começa a imitar e acaba falando naturalmente. Isso significa que para educarmos os filhos nos caminhos do Senhor é necessário viver uma vida genuína diante de Deus no ambiente familiar. Durante a infância ir literalmente “costurando memórias” de experiências vivas com o Senhor na vida dos filhos. Com isto, dá-se aos filhos um repertório espiritual e a convicção de que Deus é real e ama seus filhos.
Outro ponto crucial dentro do desenvolvimento da espiritualidade dos nossos filhos é a maneira como apresentamos a vida cristã. Uma postura religiosa e pesada frente à fé acaba afastando os filhos, principalmente quando chegam à adolescência. Neste contexto, a Escola Bíblica vem como um suporte para as famílias, um local onde o ensino é totalmente voltado para a prática da fé cristã, como um oásis dentro do sistema educacional secular. No entanto, a Escola Bíblica só tem funcionalidade se agregada à vida cristã verdadeira dos pais dentro do lar.
Durante muito tempo, os pais foram ensinados a praticar o castigo com vara para educar os filhos pequenos, de acordo com a passagem de Provérbios 13.24. Sendo profissional e cristã como interpreta essa questão?
Atualmente compreendemos o sentido da vara como símbolo de autoridade e limites, não necessariamente como o ato de realizar severas punições físicas. A vara era utilizada na bíblia pelos pastores para guiar o rebanho de ovelhas. Em nenhum momento, vemos referências de pastores de ovelhas agredindo seu rebanho com a vara. A vara é sinal de correção e de limites, sem dúvidas! Enfim, é importantíssimo que as crianças desde pequenas compreendam que suas ações sempre têm consequências, sejam elas boas ou ruins. As ações dos filhos que forem inadequadas precisam ser corrigidas através dos princípios da Palavra de Deus.
Desde o início da vida, precisamos aprender a lidar com o “não” e com frustrações, ou seja, durante a infância e adolescência é necessário compreender que nem sempre sua vontade será realizada e que o “não” faz parte da vida. Este é um exercício básico para formar filhos preparados para viver a vida.
De que forma o casamento dos pais podem influenciar, positivamente ou negativamente, os filhos na maneira de se relacionarem quando adultos?
Costumo dizer que o casamento é uma espécie de “guarda-chuva” para os filhos, independentemente da idade que eles tenham. As estruturas mais complexas da personalidade que irão determinar a maneira como vamos nos relacionar no futuro são marcadas em grande parte pela vivência durante os anos que os filhos estão em casa, observando o casamento de seus pais.
Até mesmo o que significa amar, ser amado, é traduzido dentro dessa relação familiar. Por exemplo, crianças ou adolescentes que vivem em um contexto de grandes conflitos e insultos conjugais vão estabelecendo a noção de que isso é casamento, de que isso é amar ou ser amado. E no futuro, essas impressões fazem com que, muitas vezes, se submetam a relacionamentos abusivos e destrutivos. O contrário também é verdadeiro, filhos que crescem em um ambiente saudável espiritual e emocionalmente tem maiores chances em estabelecer-se como adultos bem-sucedidos.
Existem cônjuges que reclamam que a dependência parental do marido (ou esposa) está prejudicando o casamento. Como o casal deve resolver este embate?
Quando se entra em um casamento, a Bíblia é clara “deixará o homem seu pai e sua mãe”, este “deixar” não significa deixar de conviver, mas se tornar autônomo e independente desta relação, se tornar verdadeiramente adulto e capaz de assumir sua própria família. Então, trata-se de um processo de maturidade, que todos deveriam passar. No entanto, para muitas pessoas não é tão simples romperem a dependência excessiva e avançarem na sua própria família.
Quando isso acontece, atinge diretamente a relação conjugal, pois os papéis de cada membro da família não estão bem organizados. Nestes casos, é comum interferência na relação conjugal por parte dos pais, causando até mesmo conflitos entre sogras, sogros, noras e genros. A única maneira de resolver esta questão é caminhar rumo ao processo de maturidade, onde o casal vai assumir juntos, sem a interferência de outros a responsabilidade pela sua própria família juntamente com Cristo.
Você afirma que mães e pais feridos geram crianças feridas. Como isso se perpetua no relacionamento familiar e como superar esse ciclo?
Quando falamos em famílias, precisamos ter claro que acabamos repetindo alguns comportamentos que foram internalizando durante os anos da infância que vivemos juntamente dos nossos pais. Nem todas as pessoas tem a bênção de crescer em uma família saudável emocional e espiritualmente. Muitos viveram uma infância acumulando sentimentos de rejeição, humilhações, abandono e agressividade em um ambiente de conflitos.
Quando isso acontece, a criança que cresceu e hoje se tornou adulto, constituiu família e se tornou mãe/pai segue carregando em si marcas emocionais e espirituais acumuladas. Se estas dores que ficaram latentes durante toda a vida não forem entregues a Cristo para tratamento e cura, acabam perpetuando personalidades difíceis que influenciam diretamente no relacionamento com os filhos. As feridas acabam ferindo e atingindo a próxima geração.
Desta forma, o ciclo de dor e feridas acaba se repetindo. No entanto, nós como cristãos temos a oportunidade em Deus de sermos livres de nossas dores, restaurando nossos relacionamentos através da paternidade de Deus, que é perfeita. Você leitor, tem a oportunidade de refazer sua história e ter uma postura curada para criar seus filhos no amor do Senhor.
Hoje muito se fala de pais abusivos com traços narcisistas. Como filhos que passam por isso podem lidar com esse tipo de família e conciliar com o mandamento de honrar pai e mãe?
Realmente, atualmente muito se fala dos traços narcisistas e eles existem sim. Mas muito cuidado para não sair generalizando estes comportamentos ou classificando todos como narcisistas. Trata-se de um transtorno de personalidade grave e que precisa de tratamento contínuo com profissionais da psiquiatria e psicologia, pois é uma psicopatologia que influencia diretamente nas relações.
A orientação para os filhos nestes casos, que tem em casa um pai ou uma mãe que tem atitudes extremamente difíceis e até mesmo que vão em desacordo com os princípios da Palavra de Deus, é entender que a obediência não deve ser “cega”, mesmo quando se dirige aos pais, que são autoridade sob os filhos. Naquilo que tange a honrar pai e mãe, este é um chamado feito por Deus para todos os filhos. No entanto, a obediência à autoridade é exigida de nós até quando a ação de obediência não ferir nossa fé e nosso compromisso com Deus.
Infelizmente, o abuso sexual infantil ainda é um problema real na nossa sociedade. Quais sinais a família precisa estar atenta e quais medidas protetivas os pais podem tomar para protegerem seus filhos do abuso?
Existe algo que é importantíssimo para prevenir o abuso sexual infantil, que se chama “Educação Sexual Cristã”. Infelizmente, observo que a igreja ainda não despertou para esta necessidade e acaba trabalhando apenas com as consequências advindas dos traumas e marcas gerados pelos abusos.
A necessidade é atuar de maneira preventiva junto das famílias. Para isto, é necessário que as famílias estabeleçam um canal de comunicação aberto em casa e alertar desde pequenos sobre os limites da nossa intimidade. Entender o conceito de privacidade, que ninguém pode ultrapassar este limite, faz parte deste processo de aprendizagem preventiva e deve acontecer dentro do ambiente familiar. Para isso, os pais não podem ter medo de tocar nestes assuntos, abordando com naturalidade com os filhos, é claro, de acordo com cada faixa etária. Neste sentido, posso afirmar que a Educação Sexual Cristã inicia desde a infância.
Quais conselhos você daria a famílias pastorais que precisam conciliar tempo e atenção entre igreja e família?
Respondo esta pergunta com muita empatia, pois pertenço a uma família pastoral, meu esposo além de ser pastor também é filho de pastor e atuamos juntos como família no ministério. Então compreendo os dilemas vividos pelas famílias de pastores.
Observo que pastores tem o desejo de cumprir o ministério ajudando o máximo possível de pessoas, mas em muitos momentos acabam esquecendo de si mesmo. A verdade é que é muito mais fácil resolver os problemas dos outros do que os próprios. É muito mais fácil lidar com a dor do outro, do que enfrentar a própria dor. O principal cuidado que todo ministro precisa ter é exatamente este: priorizar a saúde e bem-estar familiar, cuidar de si e dos seus, pois desta maneira seu ministério torna-se legítimo e frutífero.