O ministro da Educação, Milton Ribeiro, pediu exoneração do cargo nesta segunda-feira (28/03). A queda do ministro ocorre após o MEC se tornar o centro de um escândalo envolvendo o funcionamento de um "gabinete paralelo" formado por dois pastores suspeitos de atuarem num esquema ilegal de liberação verbas da pasta para prefeituras em troca de propina.
Ribeiro, que estava no cargo desde 10 de julho de 2020, vinha sofrendo pressão para deixar o cargo desde a eclosão do escândalo, no dia 18 de março. Sua situação se tornou ainda mais frágil após a revelação de um áudio em que Ribeiro admitia que favorecia os pastores - que não tinham vínculo oficial com o ministério - a pedido do presidente Jair Bolsonaro.
Em uma carta divulgada nesta segunda-feira, Ribeiro, que também é pastor presbiteriano, se defendeu, afirmando que "jamais realizou um único ato de gestão na pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário" e que pediu para deixar o cargo para que "não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do governo Federal".
"Não quero deixar uma objeção sequer quanto ao meu comportamento, que sempre se baseou em pilares inquebrantáveis de honra, família e pátria. Meu afastamento do cargo de Ministro, a partir da minha exoneração, visa também deixar claro que quero, mais que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas deste Ministro de Estado de interferir nas investigações", disse o agora ex-ministro, na carta.
"Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta, para ajudar meu país e o Presidente Bolsonaro na sua difícil, mas vitoriosa caminhada."
O novo caso estourou após uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março. Segundo a publicação, dois pastores, sem qualquer vínculo com o setor de ensino e sem oficialmente ocupar cargo público, vinham conduzido a agenda do ministro Ribeiro e agido como lobistas, atuando na liberação de recursos federais para municípios.
De acordo com a denúncia, os pastores franqueavam acesso ao ministro para prefeitos interessados em obter verbas do MEC para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos.
Normalmente, o processo de destinação de verbas do ministério é conhecido pela sua lentidão e burocracia. Mas, com o intermédio dos pastores, vários pedidos de prefeitos acabaram sendo atendidos em tempo recorde, especialmente em casos que envolvem prefeituras controladas por partidos que compõem a base do governo, como PL e Republicanos.
Os pastores acusados de controlar a liberação de verbas são Gilmar Santos e Arilton Moura. Santos é presidente da Convenção Nacional das Igrejas e líder do Ministério Cristo para Todos, um ramo da Assembleia de Deus - ambas as entidades com sede em Goiânia. Arilton Moura, por sua vez, atua como assessor da Convenção Nacional das Igrejas.
Santos afirma atuar há 40 anos como pastor. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, sua igreja é de pequeno porte se comparada a outros ramos da Assembleia de Deus com atuação nacional.
Segundo o jornal, a influência da dupla junto ao governo precede a chegada de Milton Ribeiro ao MEC. Em 2019, Santos e Moura foram recebidos por Jair Bolsonaro em duas ocasiões no Palácio do Planalto. Em 2020, tiveram outra audiência com o presidente. Não há nada que indique em suas biografias alguma experiência no setor de educação.
O governo de extrema direita de Bolsonaro tem cultivado relação com lideranças evangélicas desde a posse. Em 2021, o presidente finalmente cumpriu uma das prioridades anunciadas ainda no início do seu governo: a indicação de um ministro "terrivelmente evangélico" para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na vaga, entrou o ex-advogado-geral da União indicado e pastor presbiteriano André Mendonça. E Ribeiro não é o único pastor na Esplanada. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, também é uma pregadora evangélica.
Pedido especial do presidente"
O escândalo no MEC se agravou no 21 de março, após o jornal Folha de S.Paulo divulgar um áudio no qual o ministro Milton Ribeiro admite que uma de suas prioridades é "atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar". E tudo isso a pedido do próprio presidente Bolsonaro.
"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar [...] Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar."
Em seguida, Ribeiro também indicou a existência de uma contrapartida que os prefeitos têm que oferecer em troca das verbas: apoio para a construção de igrejas.
"Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível], é apoio sobre construção das igrejas", disse Ribeiro, sem detalhar como seria esse apoio.
Além das suspeitas de crimes de tráfico de influência e usurpação de função pública, o caso também levantou desde o início questionamentos sobre as possíveis vantagens que os pastores estariam levando para atuarem como lobistas. Na semana passada, nova reportagem do jornal O Estado de S. Paulo parece ter obtido a reposta.
Ao jornal, o prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou que um dos pastores lhe pediu 1 kg de ouro em troca de conseguir a liberação de verbas para o sistema educação da sua cidade. Segundo o prefeito, o pedido de propina foi feito pelo pastor Arilton Moura, que também lhe pediu mais R$ 15 mil antecipados para "protocolar" as demandas junto ao MEC.
"Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu um quilo de ouro", disse o prefeito Braga. "Ele [Arilton] disse: ‘Traz um quilo de ouro para mim'. Eu fiquei calado. Não disse nem que sim nem que não." O prefeito relatou ainda que não aceitou o pedido e que também não recebeu a verba solicitada junto ao MEC.
O prefeito Gilberto Braga também afirmou que o pastor solicitou propina em abril de 2021, num restaurante de Brasília. "O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões, para outro, tantos milhões", detalhou o prefeito, que ainda contou que o pastor repassou, no encontro, o número de sua conta-corrente para que os prefeitos presentes fizessem o depósito da "taxa" de R$ 15 mil.
Diante das revelações, a permanência de Milton Ribeiro à frente do MEC ficou em xeque. Lideranças evangélicas começaram a se afastar do ministro.
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo. afirmou que Ribeiro não chegou ao governo pelas mãos dos evangélicos. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele demonstrou irritação com o gabinete paralelo no MEC e disse que os pastores Moura e Santos não têm ligação com os deputados da frente. "Quais pastores? Aqueles dois pastores Zé Ruela? Não conheço, nunca vi, só o ministro pode explicar", disse.
Ainda segundo Sóstenes, o padrinho da indicação de Ribeiro ao MEC foi André Mendonça, que na época ocupava a chefia da Advocacia-Geral da União (AGU).
Já o vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Luis Miranda (Republicanos-DF), foi mais explícito e pediu a saída de Milton Ribeiro. "Já temos novo Ministro da Educação? Ou os esquemas vão continuar? Déjà vu… acho que já vi esse filme!", disse Miranda, que em 2021 denunciou à CPI da Pandemia um esquema de corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.
O MEC tem sido foco de turbulência desde o início do governo Bolsonaro, tendo sido ocupado por personagens ineficientes ou ruidosos como os ex-ministros Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, que priorizaram a transformação da pasta numa arena para travar "guerra culturais" contra a esquerda, deixando a educação em segundo plano. Com Ribeiro, que assumiu o posto em julho de 2020, o proselitismo ideológico de ultradireita prosseguiu, mas também parece ter começado a se misturar com as atividades de um consórcio político-religioso.