"Desde os primórdios de Beija-Flor, seus habitantes, do mês de julho à vinda das primeiras chuvas, lutavam com a dificuldade de se abastecer de água potável. "Cortado" o rio e já seco os pequenos "caldeirões" da "Caiçara" ou outros ainda mais longe, de propriedades privadas, construiu-se, então, um tanque que foi chamado de "Pote", no centro da depressão que formava a lagoa, localizada no fundo da feira popular, bairro Brindes, até a ponte de Dona Dedé." (TEIXEIRINHA, 1991).
"Mais tarde, talvez dez ou vinte anos depois, construiu-se uma barragem naquela lagoa, transformando-a em grande reservatório, que era abastecido, anualmente pelo rio Gado Bravo ou rio de Belém. Mas, a água ali depositada em breve se tornava impura e salobra, ocasião em que a cacimba no álveo do rio era a fonte de onde provinha a água potável de que servia a população. Daí nasceu, para desaboná-lo, o espantalho da sede – falta d’água potável – em Beija-Flor.” (TEIXEIRINHA, 1991).
Trechos do Caderno ainda inédito "Aqueles Sertões" do Professor Vilobaldo Freitas, no qual descreve um texto do Professor Luiz Vilhena, de 1778, narrando o itinerário Salvador à Vilas Boas – Goiás, que passava, naquela época por Guanambi e região: "Das Carnaíbas grandes, ao pé da Serra há 5 léguas e meia e vem a ser, 1 e meia a um córrego chamado das Rãs (Caetité); é este corrente e aqui finaliza a abundância de pasto no lugar chamado Poções (baixio de Guanambi); Do predito sítio ao chamado Pau de Espinho (Palmas de Monte Alto), distam 5 léguas e ¼. É esta marcha terrível pela esterilidade, não se vê por ele cousa verde; todos os campos são atoleiros (terrenos com dificuldades de travessia); junto aos sítios em que os comboieiros dão de beber aos animais e sempre procuram pasto diante, tendo cuidado em levar água para beber; e aqui parece que o ar sufoca, são, pois como 1 e um quarto e uma fazenda chamada Água Verde (Palmas de Monte Alto), e 4 léguas ao Pau de Espinho. Não há por ela pastos e a água é empoçada num córrego que não corre." Este texto faz crer que o autor do Itinerário atravessou a região no verão sertanejo, em época de uma grande seca.
Os dois autores (Teixeirinha e Vilobaldo) narram e alertam que a seca e o problema da falta de água na nossa região é secular.
Procuro descrever as dificuldades da falta de água potável em Guanambi, na década de sessenta, narrando a história da minha família e de toda a população deste município, à procura deste líquido precioso, naquela época:
Em torno do mês de julho, nos três reservatórios de água da cidade de Guanambi (Lajedão Velho, Lajedão Novo e Lagoinha), as reservas de água ficavam completamente secas. Na cidade só tinha água de cisternas e de um poço artesiano, na Praça José Ferreira, que era salobra, e não apropriada para o consumo humano. Servia, apenas, para lavagem de roupas e utilidades domésticas.
A Água de beber era transportada por caminhões pipas do DNOCS, da SUVALE (Codevasf) e da Prefeitura Municipal de Guanambi, do Pirajá (Caetité) para atender à população de Guanambi. E, em menor quantidade de uma fonte da fazenda Pega (zona rural de Guanambi), nos calotes de madeira, nos lombos dos burros e jegues.
Um dos meus irmãos acordava cedo para entrar na fila em frente da Codevasf, onde os caminhões pipa distribuíam água para toda a população. Depois do almoço, outro irmão ia entrar na fila, substituindo o primeiro. E, só retornava para casa de tardinha, com latas cheias de água, transportadas em carrinhos de mão. As filas eram enormes, com mais de centenas de pessoas. Constantemente havia brigas entre mulheres e meninos.
Nas feiras livres da segunda-feira a concentração de pessoas de Guanambi e de outros municípios era grande. Os moradores da cidade, por mais boa vontade que tivessem não podiam dar água para beber aos visitantes. A água era vendida nos pontos como qualquer outra mercadoria. Os vendedores de tijolo com requeijão ofereciam como brinde um copo de água aos compradores.
Seu Antônio Barbeiro me contou duas histórias da falta de água em Guanambi: Aprimeira, em um dia de feira, quando ele estava no depósito de cereais do meu saudoso Tio Vizi, que mantinha na parte do fundo do seu comércio um pote de água de beber para dar a seus fregueses, parentes e pessoas conhecidas. Eis que se aproxima um senhor que sempre pedia esmola na feira. De longe, meu tio já tinha percebido que aquele senhor estava cansado e com muita sede. Quando ele se aproximou e pediu uma esmola, Vizi pegou um copo cheio de água e deu àquele pedinte. O senhor bebeu a água e exclamou: – Obrigado meu filho! Esta foi a maior esmola que recebi hoje.
A segunda história, numa época próxima às primeiras chuvas, em um dia de muito calor, com formação de nuvens, os vendedores de água do Pega, matreiros e experientes, prevendo que em poucas horas iria chover, saíram na rua oferecendo seus calotes de água, pela metade do preço. E, aqueles moradores, desatentos, compraram aqueles calotes de água, aproveitando aquela liquidação repentina. Os vendedores retornaram alegres para o Pega, e os moradores, à noitinha, quando as primeiras chuvas começaram a cair, perceberam que tinham comprado a água, que com aquela chuva, não era mais necessária.
Conto estes fatos para mostrar a importância que a água de beber tinha naqueles tempos. Pois, grande parte de população de Guanambi não tem ideia das dificuldades que a falta de água fazia à população e a seus visitantes desde aquela época.
Com a construção da barragem em Ceraíma, em 1966, provisoriamente acabou-se com o problema da falta de água em Guanambi. Pormuitos anos não tivemos escassez deste precioso líquido. Mas, nos últimos anos, apesar da construção de mais uma barragem, o Poço do Magro, nesse município, voltamos a conviver com o espantalho da falta de água.
Com a Inauguração da Adutora do São Francisco, obra realizada pela Codevasf e governo da Bahia, ficamos livres por um bom tempo de um problema secular, a falta de água em nossa cidade.
Foto de Dário Cotrim: Carro pipa de Lolozinho em frente ao antigo Cinema Sorbone. Cena comum de Guanambi em um passado recente.
Artigo escrito por José Bonifácio Teixeira